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O recesso forçado do maratonista veloz

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O QUE ACONTECE QUANDO VOCÊ SE VÊ PRIVADO do dia para a noite de correr ou fazer esforço físico equivalente? A coisa já é ruim o suficiente para qualquer um, mas que dizer de um maratonista sub 3h20 com ganas de performance?

Ralph Tacconi, o monstro de Curitiba, conta como é isso.

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ERA SÓ MAIS UMA DOR. Daquelas que a gente está cansado de sentir vez ou outra. Nem dor direito era, era mais um desconforto.

Tinha uma certa frequência. Evidenciava-se mais nos treinos de tiro, os tais intervalados. Quando o esforço era grande, no peito algo estava estranho. Bem no meio, atrás do esterno.

O MONSTRO DE CURITIBA

RALPH TACCONI NA MARA DE BERLIM

RALPH NA MARA DE SOROCABA

RALPH NOS 2K DE ATLÂNTICO DA FUGA DAS ILHAS

VIEIRA: 58 DIAS DEPOIS, O RETORNO

Como sempre faço todo início de ano, fui fazer um check-up médico. Aquela bateria de exames, eco, eletro, tudo que tem cárdio no nome. Relatara ao doutor sobre os desconfortos, mas no teste de esforço eles não vieram, o que, claro, me confortou.

No dia do retorno, o doutor começou uma conversa estranha. Perguntou sobre minhas crenças, fé, religião. Conversamos um tempo sobre isso, e então veio a notícia. Havia encontrado uma alteração no meu exame que precisava entender melhor.

Carecia de outra avaliação. Um exame mais específico, que descartaria um erro eventual do teste anterior.

E sentenciou: “Sem atividades físicas até que tenhamos um diagnóstico.”

Até então eu estava tranquilo, não levando muito a sério. Disse: “Posso pegar leve, doutor, o que o senhor disser, eu faço.”

Imediatamente, tirando a simpatia do semblante, disse, seco: “Não é prudente, Ralph.”

Com o adeus definitivo na preparação para Santiago e a maratona do Rio sob dúvida, as fichas começaram a cair. Algo não estava legal comigo.

Fui atrás do tal exame, que vi não ser fácil de marcar. Finalmente, marquei no Incor, em São Paulo, uma semana depois da conversa com o médico. A pausa nos exercícios seguia religiosamente.

Fiz o exame, sem intercorrências. Agora era aguardar e voltar ao médico para, quem sabe, o olho humano ter falhado mesmo e tudo não ter passado de um susto.

Em uma sexta-feira, começo da noite, recebo uma ligação do doutor. “Ralph, o Incor entrou em contato, estou com o resultado do seu exame.”

“Você será internado.”

O molho tinha azedado mesmo. O retorno estava marcado apenas para a semana seguinte. Anteciparam tudo.

Fui internado na UTI na Unidade Coronariana (UCO) para realizar um cateterismo. Durante o procedimento, já colocaram um “stent”, uma espécie de tubo de malha metálico que se insere na artéria para estabilizar o fluxo sanguíneo ali.

No meu caso, seria em uma artéria coronária (aquelas que nutrem o coração). Segundo os médicos, essa artéria estava 95% obstruída.

Foi rápido e indolor. Fiquei acordado o tempo todo.

Bastava agora aguardar um certo tempo de repouso e ir para casa, pensei. Puro engano.

Segundo a equipe, o que eles fizeram foi “apagar um incêndio”. O meu risco de infarto era iminente e eles agiram com urgência no ponto da gravidade.

Mas havia outros focos, muitos outros, aliás.

Existiam mais lesões e eu teria de passar por novo cateterismo, agora com um equipamento mais sofisticado para avaliá-las detalhadamente. Enquanto aquele equipamento não estivesse disponível, eu precisava aguardar ali. Era arriscado sair.

Os dias se passaram. Confesso que o espaço-tempo de uma UTI não condiz com a realidade. A cabeça cheia de minhocas com o futuro indefinido faz tudo passar mais devagar. A ansiedade, o pensamento nos filhos. A mente ia longe.

Chegou o dia do novo procedimento. Já experiente, estava tranquilo, sabia que em 40 minutos estaria livre daquilo. E iria embora em poucos dias.

Outro engano. O maior de todos, presumo.

Foi muito pior que o primeiro. Senti a equipe médica tensa, discutindo entre eles. Uma dor lancinante naquela região do desconforto. A sensação era de um arame arranhando meu peito por dentro.

Era horrível. Injetaram vários contrastes, cada um com uma sensação diferente. Um me fazia suar, o outro me dava tontura. Outro, calor.

Foram quase duas horas de sofrimento. Até que acabou. Ufa! O resultado? Mais dois stents e mais quatro obstruções a ser tratadas com medicação.

Um pós-procedimento péssimo também. Dor intensa no peito, na cabeça e no punho onde fora introduzido o cateter. Deram-me um amansa-louco para eu poder dormir.

Dois dias depois tive alta, e voltei pra casa derrubado. Saí de lá reflexivo. Foram nove dias de UTI e dois procedimentos cardíacos invasivos que deixaram três próteses dentro de mim. Aos 39 anos.

Disseram que minhas alterações são genéticas. Mesmo se fosse o cara mais ativo do mundo e com a alimentação mais equilibrada possível, isso não mudaria o quadro. Ninguém da equipe conseguia uma resposta plausível para explicar como eu conseguira fazer tudo que já havia feito sem que meu coração pifasse.

“Sorte”, disseram.

Sobre o futuro, de cada médico que conversei ouvi prognóstico diferente. Não preocupam os stents, mas a quantidade de lesões concomitantes, segundo eles.

Não vou entrar no clichê das redes sociais de agradecer a vida, celebrar não sei o quê. O que eu quero mesmo é correr maratonas novamente. Não sei se será possível.

Santiago é passado, Rio e SPCity também. Se tudo correr como eu espero, lá pro fim do ano engato uma night run de 5K com desfibrilador no posto de apoio.

Se não rolar como espero, quem sabe o time de bocha do bairro? Se bem que as bolas são pesadas, não sei se o coração suporta. Talvez não seja prudente, né, doutor?

Ocasionalmente pode ser que me liberem, desde que eu prometa correr sem preocupação com tempo e performance e com controle extremamente rigoroso de frequência cardíaca.

Aí, quem sabe enfim eu consiga correr desfrutando totalmente a prova, coisa que até hoje não consegui.

 

 

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